Desde o início do povoamento da ilha, o seu clima ameno, a sua riqueza em água, a sua cobertura vegetal luxuriante geradora de boas madeiras (que lhe deram nome) e a boa qualidade dos solos formados pelo desbravamento e limpeza dos leitos das ribeiras, rapidamente tornaram os primeiros colonos portugueses autossuficientes em cereais e noutras culturas introduzidas, pelo que, por volta de 1425, o Infante D. Henrique (Senhor das Ilhas) mandou trazer “estacas” de cana sacarina da Sicília para sua produção na ilha.
A instalação dos canaviais exigiu a criação de novos “solos agrícolas”, a partir de queimadas nas zonas altas e arborizadas da ilha e da construção generalizada de socalcos, localmente denominados de “poios”, que acompanham as curvas de nível e são suportados por muros de pedra basáltica emparelhada e a criação duma alargada rede de canais de rega (“levadas”) para transportar a água das ribeiras e nascentes e, mais tarde, também das terras altas e da encosta húmida a norte, para assegurar a irrigação dos canaviais, proporcionando à cana sacarina as condições edafoclimáticas ideais para sua adaptação e desenvolvimento.
A disponibilidade de cursos de água, de madeiras e de gado para movimentação de cargas e dos engenhos, facilitou também o aperfeiçoamento das rudimentares técnicas de moenda das canas e dos processos de cristalização na produção do açúcar que, na Idade Média, era um “produto de luxo”, muito valorizado e de consumo reservado às cortes e às classes mais abastadas. Em poucas décadas, os mestres açucareiros e os mercadores madeirenses monopolizaram o fornecimento de açúcar ao Reino e às principais cortes europeias, gerando uma relevante atividade comercial que, até o fim do século XVI, potenciou o primeiro ciclo económico de desenvolvimento da ilha.
Registos históricos demonstram que a produção de xaropes de cana sacarina, denominados de «Mel», sempre acompanharam a produção do afamado “açúcar”. Inicialmente correspondia ao xarope que escorria das formas do açúcar (“pães de açúcar”) nas sucessivas purgas do seu processo de cristalização. Este produto foi muito procurado, na primeira metade do século XVI, pelas embarcações que escalavam o porto do Funchal, como é relatado no Memorial de Cristóvão Colombo aos Reis Católicos, de janeiro de 1494, que recomendava o embarque de 50 pipas de «Mel» de açúcar da Madeira para uso das suas tripulações.
Nesta época, também alguns proprietários de canaviais, promoviam a produção caseira de «Mel», mas neste caso obtido a partir da cozedura do sumo integral de canas da sua safra, que reservavam para consumo familiar e para a produção de conservas de frutos, especialmente em alguns conventos locais, onde este «Mel» era também utilizado nas receitas de bolos e doces variados que, nas efemérides religiosas (Advento, Natal e Entrudo), eram produzidos para consumo interno, para oferenda aos benfeitores e mesmo para exportação.
Mesmo durante o declínio desta cultura na ilha (entre os séculos XVII e XIX), a produção caseira de «Mel» manteve-se ativa, assegurando a manutenção de pequenos canaviais pela ilha e preservando a rica doçaria conventual madeirense.
Experiências, memórias e até advertências de duas viajantes que correm mundo de braços abertos e como quem foge de casa.
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FOMOS APRENDER SOBRE MEL DE CANA
A partir do século XIX, com a reintrodução na ilha de novas formas cultivadas de cana sacarina, a produção de «Mel» passou a ser realizada, a nível industrial, em simultâneo, embora em menor escala, com a produção dos demais derivados da cana que sucessivamente foram sendo obtidos na ilha: o açúcar, o álcool (para enriquecimento do Vinho Madeira) e, mais recentemente, o Rum da Madeira, bebida espirituosa registada como Indicação Geográfica Protegida.
Todos os registos que referem e descrevem este xarope de cana sacarina o denominam de «Mel» ou «Mel da Madeira», designações que se mantiveram em uso na ilha e em Portugal por quase seis séculos até que, no fim do século XX, por disposição da legislação europeia, a designação «Mel» que também significa «Mel das Abelhas» passou a estar exclusivamente reservada à substância natural açucarada produzida pelas abelhas da espécie Apis melífera, pelo que os produtores madeirenses tiveram de adotar a denominação Mel-de-cana da Madeira, para designar este produto de grande interesse económico local e elevado significado para a identidade e memória coletiva madeirenses.
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