LENDA DO BARCO MOLICEIRO

 Há muitos, muitos anos, havia um pescador da Ria de Aveiro chamado Ramiro, órfão de pai e mãe que foi criado por uma madrinha muito boa, mas muito feia e que, por causa disso, nunca chegou a casar.
Certo dia, andava Ramiro na faina, quando ouviu um canto doce de mulher e encaminhou o barco para o lugar de onde vinha o som. Deparou-se com uma jovem muito bonita que tomava banho sem roupa... e aproximou-se.
Ela estendeu-lhe a mão, conversaram longamente e ele pediu-a em casamento.
Triste por não poder aceitar, ela explicou que não era mulher, era sereia e que, como filha mais nova do Rei dos Mares, estava destinada para casar com um tritão de quem não gostava. Então começou a chorar e as lágrimas transformavam-se em pérolas que boiavam na água à sua volta.
Ao vê-la chorar o pescador disse logo e que até era capaz de construir uma casa metade na terra, metade na ria, para poder servir para os dois.
Não podia ser, o tritão era muito feroz e matála-ia. A única hipótese seria se ela se pudesse transformar em mulher.
Todos os dias, antes de ir lançar as redes, Ramiro ia ao sítio onde tinha encontrado a sua sereia, mas ela nunca mais apareceu.
Vendo-o assim tão triste, a madrinha aconselhou que fosse à "ti Bárbra", uma mulher de ciência, que talvez soubesse uma maneira de transformar uma sereia numa mulher e assim poderiam ser felizes.
Ansioso que estava por resolver a situação, Ramiro prontificou-se a ir imediatamente. Mas a madrinha explicou que só poderia ir de noite porque a "ti Bárbra" só tinha poderes depois de o sol se pôr.
Não foi naquele momento mas, assim que o sol se pôs, Ramiro meteu pés ao caminho. Andou muito tempo pelas dunas, até que chegou perto de uma choupana de frente para o mar.
Nessa altura, o vento tornou-se muito forte para o empurrar para trás, os relâmpagos eram tão fortes que o obrigavam a fechar os olhos para não ficar cego, os trovões eram tão tenebrosos que a terra tremia, a chuva era tanta que se sentia molhado até aos ossos. mesmo assim, nunca desistiu!
Chegou à porta da choupana, bateu e gritou:
- Ti Bárbra.
A porta abriu-se e apareceu uma velha senhora toda vestida de negro, com uma vela na mão, igualzinha às feiticeira descritas nos livros de estórias e disse-lhe com voz desafinada que entrasse que ela já sabia ao que ele vinha.
Dentro da choupana havia uma fogueira a arder com um caldeirão a ferver e, em cima da mesa, três gatos pretos a dormir e uma caveira. Mesmo sendo valente, Ramiro teve medo!
A velha Senhora percebeu o medo de Ramiro e pô-lo à vontade. Explicou que a caveira não é mais do que aquilo em que se transformam ricos e pobres e o estado em que se acaba, quer se seja bom, quer se seja mau. Também lhe disse que já sabia ao que ele vinha e que o que lhe ia dizer para fazer não era difícil, mas só podia ser feito uma vez, se alguma coisa falhasse, tudo ficaria perdido.
Primeiro teria que construir uma casa de madeira na duna do sítio que chamavam Costa Nova e pintá-la com riscas da cor que mais gostasse, alternando com branco por causa do mau olhado.
Depois era preciso pescar a lua cheia. Meter-se no barco, navegar até que visse toda a lua reflectida na água, lançar a rede devagar, meter toda a lua lá dentro e trazê-la com cuidado para a casa nova e atirar com a rede lá para dentro. Nessa altura a sereia vai sair do mar em forma de mulher e entrar em casa.
Mas havia algo muito importante e que não podia falhar para que tudo desse certo, nem a lua o poderia ver, nem poderia haver o mais pequeno ruído até que a lua entrasse em casa dentro da rede, nem podia contar a ninguém, nem mesmo à madrinha.
Ramiro, decidido foi e ainda mais decidido voltou. Deitou mãos à obra e fez tudo como a "ti Bárbra" tinha dito que fizesse.
Levou três meses a construir a casa e, na proa do barco, fez um acrescento em forma de quarto crescente onde se poderia esconder para não ser visto pela lua.
Esperou pela lua cheia e fez-se ao mar até ao sitio onde viu a lua toda reflectida na água. Lançou a rede com cuidado, apanhou a lua toda, meteu-a com muito cuidado dentro do barco, transportou-a até ao areal mas, ao sair do barco, quase pisou uma gaivota que acordou e soltou um grito.
Quando o grito da gaivota se espalhou pela praia, a bola branca desfez-se dentro da rede e tudo ficou perdido.
Ramiro meteu-se no barco, navegou até ao outro lado da ria onde havia umas covas no chão e chorou mil dias e mil noites seguidas sem parar, enchendo as covas de lágrimas que o sol secou e transformou em sal.
Ainda hoje se podem ver as salinas das lágrimas que Ramiro chorou. As casas que se construíram a seguir na Costa Nova por terem gostado do modelo de Ramiro, continuam a ser pintadas com riscas coloridas que alternam com branco e o moliceiro ainda hoje tem uma proa em forma de quarto crescente.


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